Talvez a galera mais nova não saiba, mas o cineasta holandês Paul Verhoeven já foi um dos maiores nomes do cinema pipoca hollywoodiano entre os anos 1980 e 1990. O cara dirigiu clássicos como RoboCop, O Vingador do Futuro, Instinto Selvagem e Tropas Estelares.
Contudo, após O Homem Sem Sombra, em 2000, ele se despediu dos EUA e voltou para a Europa, onde fez apenas mais um longa-metragem, A Espiã (2006). Portanto, Elle marca seu retorno aos longas após dez anos e mostra que o sujeito ainda está em grande forma.
Mistura entre drama e thriller, ele conta a história de Michèle, a dona de uma empresa de jogos de videogame na França. Um dia, ela é estuprada em sua casa e sua reação à agressão se mostra bem próxima do modo como ela trata outros aspectos de sua vida, com certa frieza, pragmatismo e mão forte, ainda que insista em não envolver a polícia.
Contudo, o agressor logo mostra sinais de que continua à espreita de Michèle, e enquanto ela tenta descobrir quem poderia ser o sujeito, fatos de seu passado e presente montam um quadro melhor de sua personalidade, que ajudam a explicar melhor suas ações e reações.
É um filme tematicamente bastante pesado, não só por já abrir com o estupro da protagonista, mas também por todas as consequências do ato em questão, que acabam por levar a uma baita reviravolta lá pelo terceiro ato que torna tudo ainda mais barra-pesada e doentio de maneira surpreendente.
Contrastando com essa temática, a direção de Paul Verhoeven é elegante e discreta, e o ritmo segue num passo um pouco mais lento, fornecendo as peças do quebra-cabeças sem pressa e não necessariamente na ordem mais lógica. Tecnicamente, é um trabalho impecável.
Vale destacar também a excelente atuação de Isabelle Huppert que, entre a frieza, certa falta de empatia e determinação, é um poço de sentimentos e ações passivo-agressivas para com todos ao redor dela, expressos em pequenos gestos e olhares que formam uma personagem bastante complexa e muito fascinante.
Elle é daqueles filmes que, num primeiro momento parecem ter como único objetivo chocar o espectador (coisa que ele faz mesmo), mas à medida em que ele vai avançando, demonstra que está longe de ser só isso. É de fato um drama denso e cheio de nuances, um mergulho em traumas e perversões, mostrando que nada pode ser mais estranho do que o ser humano.
Acima de tudo, mostra que Paul Verhoeven pode ter sumido do radar do cinemão comercial, mas isso não significou sua aposentadoria. Ele continua afiado como sempre, tornando este longa essencial para fãs do diretor, bem como também para quem quiser apenas acompanhar um bom cinema.